Se eu
pudesse trazia na bagagem a comida que mais gostei de todos os lugares que
conheci. Adoro ser turista no meu país. Quanto mais conheço Portugal mais me
apaixono por ele, pelas suas tradições, gastronomia, paisagem, hotelaria. De
Sesimbra trouxemos licor, mel, pólen, abóbora cor de mel, e o coração tão cheio
de coisas essenciais. Adormecer com o barulho das ondas, andar descalça na
areia e fechar os olhos para o sol em
Outubro. Ouvir as gaivotas a rasgar o céu
azul. Comer peixe tão fresco e sopas tão ricas. Ler Corto Maltese a sentir o
sol queimar as bochechas. Lutar contra o cansaço que teimosamente acumulei.
Anoitecer sobre a maré e o teu olhar atento. E ter a certeza que aquilo que somos, fomos apenas até aí.
É assim que sou agora e é assim, só assim que estou bem.
"[...]
Escuta,
Amor
Quando
damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas
ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o
céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e
chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos,
transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra,
somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a
seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores
acreditam que são feitas de terra.
Por
isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí. Existimos
no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos só
podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a
mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu és aquilo que sei
sobre a ternura. Tu és tudo aquilo
que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos
o suficiente para o instante em que nos encontrámos.
Aquilo
que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando
estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto,
fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites metafóricas e pelas
manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem entendimento a essa certeza,
mas eu e tu não sabemos se existem outras pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o
fim de todas as fronteiras e inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma
única montanha, somos uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos
uma casa, um mundo completo. Existem guerras dentro do nosso corpo, existem
séculos e dinastias, existe toda uma história que pode ser contada sob múltiplas
perspectivas, analisada e narrada em volumes de bibliotecas infinitas. Existem
expedições arqueológicas dentro do nosso corpo, procuram e encontram restos de
civilizações antigas, pirâmides de faraós, cidades inteiras cobertas pela lava
de vulcões extintos. Existem aviões que levantam voo e aterram nos aeroportos
interiores do nosso corpo, populações que emigram, êxodos de multidões famintas.
E existem momentos despercebidos, uma criança que nasce, um velho que morre.
Dentro de nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as
partes.
Questiono
os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que foge às
palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a forma de palavras.
Mas eu questiono, pergunto-me, será que são necessárias as palavras? Eu sei que
entendes o que não sei dizer. Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer.
Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do
vento dentro do vento, somos o vento todo.
Escuta,
ouve.
Amor.
[...]"
José
Luís Peixoto in "Abraço"
também muito bonito o teu texto. :)
ResponderExcluir:) Tks
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