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1.11.22

Avó

 

Minha querida avó,

Fiquei de te levar gelados e não cheguei a tempo. Como os entrego agora?
Sei que por ti estávamos sempre à mesa, a comer, a beber e a conversar. Talvez a ouvir uns fados. Ninguém sabia apreciá-los como tu.

Por mais que pense nas nossas zangas e tivemos muitas, tenho em dobro memórias felizes. Oh Meu Deus, tantas memórias felizes. Sempre soubeste sorrir nas adversidades, eras rija. Já não há pessoas assim.

Foste quem me ensinou a amar por inteiro, com defeitos e tudo. E hoje é o teu abraço que me falta.

O médico disse que tinhas o coração muito grande, que amaste muito, e que 92 é uma bonita idade, mas parece sempre pouco quando falamos de quem queremos perto. E eu queria-te perto. Os teus bisnetos também.

A vida tem destas coisas. Saber dizer adeus não é fácil para mim, nem sei se algum dia será.

Sabes, tu fostes uma referência. Criaste-me e deixaste a tua marca. Foste uma lutadora e uma mulher que soube aproveitar o lado bom da vida. Emancipada e independente viste a vida trocar-te as voltas nos últimos anos e ainda assim aproveitaste da melhor forma. Dizias-me tanta vez «viver não custa, custa é saber viver».

Vou sentir sempre alguns apertos no coração por coisas que não fiz. Não te entreguei os gelados, mas pelo menos sei que não fiquei com nada por dizer. Disse que te amava vezes sem conta, ainda ontem te abracei e beijei.

É verdade que no último dia não me despedi, que não disse adeus, mas também não sinto necessidade de o fazer. Adeus diz-se a quem parte e eu sei que estarás sempre comigo.

PS - Fez há uns dias três meses que te escrevi esta carta. Hoje vou estar contigo, como aliás estou sempre, vou dizer-te o quanto te amo e me fazes falta querida avó. A tua estrelinha está agora colada no roupeiro da Constança. Parece que sempre pertenceu ali.