O Afonso passou os últimos dias a perguntar «Mamã já é 25 de Abril? Já posso colar os autocolantes? Já posso mamã?» e ontem foi para ele o dia, ou melhor a noite. Acompanhou-me ao jantar do partido e, ainda sem grande consciência democrática, participou pela primeira vez naquilo que é, não apenas uma liberdade, mas também um dever cívico.
Cresci com pais que me mostraram o valor da liberdade, do poder falar, pensar e escolher. Um pai que criou um partido político, que fazia reuniões no café Império, que tinha barba e gola alta e calças à boca de sino. Sou igualmente filha de uma mãe que tinha um pai que era tipógrafo e que por isso tinha acesso a livros que não passavam pelo crivo da PIDE, e que muitas vezes por causa dos «bufos» queimou documentos na sanita. Cresci também a ouvir falar de coisas menos doces como os desaparecidos, os presos políticos e o Tarrafal.
Quando a Visão esta semana, provocadora, perguntou se deveria haver um novo 25 de Abril, foram raras as personalidades quer de esquerda e quer de direita a responder «Sim». A opinião comum é a de que a democracia, ainda que fragilizada pela crise, está bem instituída. A preocupação que se repete é a de que sejam postos em causa os direitos que tanto lutámos por adquirir.
Do jantar ressalta o espírito inflamado e nostálgico de quem viveu esses tempos, a esperança dos mais jovens de que venham dias melhores e a crença de que é desta união, deste espírito e vivência colectivos que poderá nascer a força para enfrentar seja o que for.
Para o Afonso fica a mensagem que devemos pensar, acreditar e agir, ao invés de apenas criticar. É possível e importante ser politicamente activo, independentemente da ideologia com a qual nos identifiquemos.
Os Putos
Uma bola de pano, num charco Um sorriso traquina, um chuto Na ladeira a correr, um arco O céu no olhar, dum puto.
Uma fisga que atira a esperança Um pardal de calções, astuto E a força de ser criança Contra a força dum chui, que é bruto.
Parecem bandos de pardais à solta Os putos, os putos São como índios, capitães da malta Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai Vai-se a revolta Sentam-se ao colo do pai É a ternura que volta E ouvem-no a falar do homem novo São os putos deste povo A aprenderem a ser homens.
As caricas brilhando na mão A vontade que salta ao eixo Um puto que diz que não Se a porrada vier não deixo
Um berlinde abafado na escola Um pião na algibeira sem cor Um puto que pede esmola Porque a fome lhe abafa a dor.
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